Vivemos a vida como andarilhos
até que, mortos, voltamos a casa.
Uma viagem rápida entre o céu e a terra,
e depois a poeira de milhões de gerações.
O Coelho da Lua mistura elixires para nada,
a Árvore Milenária está a pegar fogo.
Mortos, os nossos ossos brancos jazem em silêncio
enquanto pinheiros se inclinam para a primavera.
Lembrando, suspiro; olhando para a frente, volto a suspirar.
Esta vida é nevoeiro. Qual fama? Qual glória?
Em Jerusalém, e quero dizer dentro dos antigos muros,
caminho duma época para a outra sem uma memória
que me guie. Lá estão os profetas a compartilhar
a história do sagrado… ascendendo ao céu
e voltando menos desiludidos e melancólicos, porque o amor
e a paz são sagrados e estão a caminho.
Estava a descer uma encosta e pensava para mim: como podem
os que contaram a história divergir sobre o que a luz disse à rocha?
É sobre uma rocha levemente iluminada que começam as guerras?
Caminho no meu sonho. Olho fixamente no meu sonho. Não vejo
ninguém atrás de mim. Não vejo ninguém à minha frente.
Toda esta luz é para mim. Caminho. Torno-me leve. Voo
e então torno-me outro. Transfigurado. Palavras
nascem como a erva da boca do mensageiro
de Isaias: “Se não acreditares, não serás salvo”
Caminho como se fosse outrem. E a minha ferida uma branca
rosa bíblica. E as minhas mãos como dois pombos
sobre a cruz, passando por cima e levantando a Terra.
Não caminho, voo, torno-me outro,
transfigurado. Sem lugar e sem tempo. Quem sou eu?
Eu não sou eu nenhum na presença da Ascensão. Mas eu
penso para mim: Sozinho, o profeta Maomé
falava árabe clássico. “E depois?”
E depois? Uma mulher soldado gritou-me
Outra vez tu? Não te tinha matado já?
E eu respondi: mataste-me... mas eu, como tu, esqueci morrer.
Se que ele mata pensa o assassino,
e o morto que foi morto é que ele crê,
não conhecem subtil este caminho
que guardo, passo e viro uma outra vez.
Perto de mim o longe e o esquecido;
o sol e a sombra são um mesmo ente;
aparecem p’ra mim deuses sumidos;
vergonha e fama não são diferentes.
Se estiver fora, estás fora de ti;
as asas sou também dos que me voam;
sou quem questiona e a questão em si,
do brâmane no hino a voz que soa.
Deuses fortes anseiam o meu lar;
as sacras Sete invejam-no por isso;
mas, buscador humilde, achar-me-ás
e as costas virarás ao paraíso.
(Ralph Waldo Emerson)