Estou sem espaço
Estou sem oco.
Estou sem eco.
Estou sem resposta.
Estou sem repercusão.
Estou sem percusão.
Estou sem bateria.
Estou sem covertura.
Estou sem covertores.
Estou sem lençóis.
Estou sem telas.
Estou sem movimentos.
Estou sem terramotos.
- Estou sem movimentos telúricos. -
Porém queria...
Uma erupção volcânica qualquer...
Lume para esquentar um tacho em que me evapore.
Escrevi há uns poucos dias o que agora acredito ser o melhor poema da minha vida. Acontece como sempre. Emociono-me, projecto nessas palavras um ideal poético, e nada, já nada pode contentar-me. Escrevo qualquer coisa mas parece vazia. E talvez não seja, mas acho impossível passar dos primeiros versos. A própria ideia, estrutura ou o que for do que vou escrever revela-se-me estúpida e sem sentido, porque não atinge o ideal do que já fiz. Às vezes consigo autoconvencer-me que ainda posso escrever qualquer coisa de bom, que se o fiz uma vez posso fazê-lo outra, que eu consigo, se tentar. E é então que tento. E é então que chega o pior. Porque é quando percebo que estou a repetir o poema de referência. Emprego qualquer palavra que apareceu já antes e tenho a sensação de estar a rescrever o escrito. Pior. Emprego essa palavra e volto a lembrar o poema inteiro, e percebo que o que estou a escrever não serve para nada, que não atinge tudo para o que foi pensado.
Então deixo a caneta ou desligo o computador, segundo o caso. Acendo um cigarro, sento-me a ver TV ou saio a caminhar à praia. E entre fumaça e fumaça, publicidade, passo e passo, dou uma olhada dentro, procurando palavras. E começo a martirizar-me pelo meu silêncio.
...e de repente as coisas deram em acontecer à velocidade da luz. Como por acaso sentei-me perante o computador e comecei a escrever um poema que se revelou naquilo a que aspirava desde tempo e tempo. Subitamente descobri o Mediterrâneo numa noite fugaz em que o céu e o mar calmo se confundiam com uma única parede negra -uma parede que escoava espumas na base - e fiquei maravilhado. Repentinamente reparei que havia alguém do outro lado do fio, que não estou só em sentido estrito, que o meu gato é a projecção astral de um espírito amável. E de repente, também, vi-me transportado aqui, comecei o trabalho e percebi de novo que desfrutar da vida neste fim-de-semana tinha sido o começo de uma recriminação injusta por não ter feito o que devia. Mais uma vez, o mundo em contra. Mais uma vez, eu contra o mundo. É uma reacção irracional - eu sei-o. Mas faz sentido! Fez sentido! Faz sentido!
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