Vivo a mil kilómetros da minha vida intelectual e emocional. Não há tanta distância entre essas vidas. Como é sabido, na Galiza tudo está perto. Mas moro a mil kilómetros do coração e o cérebro e sou, por isso, um homem dividido. Suponho que triste, de alguma maneira, porque fecho a janela e a minha mente fica do outro lado. Mas só um bocadinho. A minha personalidade irónica chegou agora a rir-se de mim. Diz-me que estou a revalidar todos os tópicos sobre os galegos e a saudade. Assim seja.
Deixei uma personalidade irónica na Galiza. Escrevo de Alacant. Há já dois meses que voltei a esta cidade à beira-mar de calma mediterrânea. Calhou assim, e é aqui que moro. A minha mente, no entanto, está a mais de mil kilómetros de distância. Diariamente entro nesta janela que contrai os espaços e sinto-me um bocado mais perto. De quê. Às vezes a minha ironia vence essa distância, atravessa a janela e senta-se-me no corpo. Perto de mim.
Isto é só o começo. Escreverei este diário, e é este o começo que lhe dou ou que lhe calha. Dalguma maneira havia de ser. Escreverei quando me der e tiver tempo. Suponho que não serei eu a escolhê-lo. Tempo, tempo, tempo. Quando tiver tempo, quando tiver coisas a dizer. A quem não sei. Suponho que também não posso escolher isso. Tempo para escrever o que não sei a quem não sei. O meu único poder, afinal, talvez seja o de sentar-me perante o computador e deixar sair os pensamentos, as palavras. Mas não quero enganar-me. Esta é a minha situação e sou eu que a escolho. Sou eu a escolhê-la de entre tantas e tantas possíveis.
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