Dia após dia após dia
ao crepúsculo e à meia noite o frio era lancinante.
O céu era denso, com escuras nuvens que tapavam o sol.
O vento soprava feroz, a neve rodopiava com violência.
Ondas selvagens assaltavam os céus, golpeando peixes monstruosos.
As paredes tremeram e sacudiram-se, as pessoas berravam aterrorizadas.
Olhando para trás os últimos quarenta anos,
vejo agora que as coisas estavam a sair-se do controlo.
As pessoas tornaram-se moles e indiferentes,
formando fações e lutando entre elas.
Esqueceram as obrigações e o dever,
ignoraram as ideias de lealdade e justiça
e só pensavam nelas próprias.
Cheias de arrogância, enganavam-se umas às outras
criando uma infinita e obscena desordem.
O mundo estava cheio de loucura
mas ninguém partilhava a minha preocupação.
As coisas foram a pior, até que o último desastre chegou -
poucos estavam conscientes que o mundo estava malfadado
e terrivelmente fora de controlo.
Se de verdade quiseres compreender esta tragédia, olha dentro de ti,
em lugar de chorar desconsoladamente o cruel destino.
(Ryôkan)
Tempo atrás, uma menina linda vivia aqui ao lado;
ela costumava colher amoras num pomar distante
e voltava com os brancos braços cheios de ramos de ouro e prata.
Cantava com uma voz que partia o coração
e a vida cintilava nela.
Quando a viam passar, os camponeses deixavam as suas enxadas
e muitos se esqueciam de voltar a casa quando ela estava perto.
Hoje não passa duma avozinha de cabelo branco
a carregar a velhice, com suas dores e penas.
(Ryôkan)
Pôr do sol na primavera. Uma menina esvelta de dezasseis anos
volta para casa com um grande ramo de flores da montanha.
Um chuvisco leve penteia-lhe as flores.
Viram-se as cabeças quando ela passa
e arregaça de leve o seu kimono com uma mão.
As pessoas perguntam-se umas a outras:
"de quem é filha essa menina"?
(Ryôkan)
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