Olha no espelho a tua face e diz
“é tempo de uma nova já criares
fresca", se deceção não desejares
roubando ao mundo o que uma mãe bendiz.
Quem, de ventre virgem, é a arrogante
que desdenhe a semente que tu enterras?
Quem de vaidade tal cavada em terra
qual tumba, a prole pára desdenhante?
Espelhas tua mãe na tua arte,
que vê no teu reflexo o abril amado.
Assim poderás tu depois mirar-te
com rugas, sim, mas no esplendor passado.
Se essa glória ver queres no jazigo
morre solteiro e morrerá contigo.
Aos quarenta invernos da tua frente,
arando no teu rosto fundas linhas,
nada será senão ervas daninhas
a rica galhardia do presente.
Se então buscarem o que foi de tanta
beleza havida nos teus dias idos,
resposta dares é de olhos fundidos
louvor inútil e vergonha quanta.
Mas se puderes responder tu “este
meu filho aqui me escusará a idade”
- sendo beleza herança que lhe deste -
louvor maior merecerá a beldade.
Novo serás, já velho, e terá brio
o sangue ardente que pensavas frio.
Dos seres belos que o desejo anela,
não morre da beleza aquela rosa,
e a herdeira guarda imagem memorosa
se vier com o tempo a morte dela.
Mas tu, ao brilho dos teus olhos dado,
para essa luz a lenha que és consomes,
onde há abundância produzindo fomes
cruel para ti, contigo inimizado.
Tu que és do mundo enfeite de beleza,
e a primavera único anuncias,
doce sovina, esbanjas avareza
e em ti mesmo sepultas alegrias.
Mostra piedade ou sê o glutão do mundo,
com a tumba, engolindo-o sem fundo.