Se mantiveres a cordura quando tudo à tua volta
está a perder a sua e te culpabiliza por isso,
se puderes confiar em ti próprio quando todos duvidam de ti
mas permitires também que exista a dúvida;
se puderes esperar, mas não te cansares na espera,
se te caluniarem, não responderes com calúnias,
ou se fores odiado, não caíres também no ódio,
sem pareceres demasiado bom, nem falares demasiado calmo:
Se puderes sonhar, sem que os sonhos te escravizem;
se puderes pensar, sem que os pensamentos sejam o objetivo;
se encontrares o Triunfo e o Desastre
mas tratares por igual ambas mentiras;
se conseguires ouvir a tua verdade
distorcida por patifes para enganar os tolos,
ou se vires partidas aquelas coisas por que deste a vida
e apesar de tudo, as voltares a construir com aquilo que resta:
Se puderes juntar todos os ganhos
e apostá-los numa única jogada de cara-ou-coroa,
e perderes, e voltares a começar do zero
sem te queixares uma única vez do que perdeste;
se juntares o coração, o nervo, a força,
e as fizeres servir depois de idas,
e resistires quando já não resta nada
senão a força de vontade que grita “Aguenta!”
Se puderes falar à multidão, mas manter a virtude,
ou caminhar com Reis – sem perderes a humildade,
se nem amigos nem inimigos podem ferir-te,
se todo o mundo contar contigo, mas não demasiado;
se puderes encher cada minuto
com sessenta segundos de esforço inesquecível,
tua será a Terra e tudo o que nela existe,
e o que é mais importante, serás um homem, meu filho.
Fecharam o caminho que atravessava a floresta
setenta anos há.
O tempo, a chuva, vieram desfazê-lo,
e ninguém diria já
que houve um caminho que atravessava a floresta
sem árvores plantadas.
Jaz por baixo dos rebentos, das urzes
e flores delicadas.
Só o cuidador conhece
que, onde a rola faz ninho entre giesta,
e o texugo espairece,
houve um caminho que atravessava a floresta.
Mas, se fores à floresta,
numa tarde de verão em que o ar
entrando a noite acalma as águas
e a lontra acasala a assobiar
(não há medo do homem, na floresta,
porque são poucos a passar),
ouvirás os cascos dos cavalos
e uma saia no orvalho a murmurar,
a densa solidão cheia de névoa
a meio trote atravessar,
como se conhecessem sem pensar
o caminho perdido que atravessava a floresta…
Mas não há caminho que atravesse a floresta!
o teu nome enche a boca
de mar
e o estômago de vida
a teu redor multiplicavam-se
alimentos
e bocas
no teu corpo minguante
a carne
transformou-se em anos
nas tuas mãos a lã floria
mas o teu recordo é tão pequeno
como esse espaço breve que ocupaste
cozinha
quarto
sala
embora o teu nome ainda consiga
ser livre na memória
no mar da minha infância
não consigo lembrar-te
nem sequer à janela
do teu abster-te de comer
espaço
quantos comemos
mundo
tantas vezes a ironia
de mãos dadas
ao sonho
e o teu nome
é uma lancha
no Chufre