Uma breve pausa entre
esta estrada aqui que vaza água
e aquele Caminho ali que nada vaza.
Se chover, é deixar que chova.
Se houver tormenta, que haja!
(Ikkyu Sojun)
(...)
Pernas de madeira a chiar na noite do cérebro.
Saltar ao outro lado do alento.
Respirar com as árvores de Luz Serena.
Tocavas o mar quando cantavas
e levou-te a maré
dentro da terra.
Velha estátua de salitre escondida à memória.
Restos num nicho absurdo com teu nome na porta
- Francisco Lojo Ouvinha -
esse que nunca foste.
Meu querido Samaro.
Ainda busco em ti alguma coisa que me diga.
Como busquei em tempos reflectir-me nos barcos
dos piratas dos filmes busco às cegas
em ti uma força maruja que me levante a vida.
Gostava tanto de dizer que a tenho.
Mas tiro a cabeça pela borda e só vejo água salgada
e a imagem de uma gaivota reflectida,
sem rasto da minha cara.
Francisco o Samaro.
Não te chamar avô traz-te de volta de uma forma nova:
único como foste,
tão pouco eu.
Simplesmente o Samaro,
o que passeava com o cão e sem pessoas;
o que mal conseguia compartir uma bóia;
o que guardava alguma coisa dentro
que não sabias nomear
mas que buscavas
como nos mapas a geografia do mundo que não viste.
De todas as vidas que me precederam em ti vejo
clara a minha ferida.
Na superfície em ondas da tua cara arrugada,
nos olhos vidrosos quando falava contigo e tentavas
ser um herói,
tu que já naufragaras e mal podias ter-te
de pé.
Gostavas tanto de mim.
Sinto isso ainda
como uma facada na garganta,
a mesma que tenta ser a tua,
se alguma vez canto.
Esta ferida limpa numa forma de dorna,
que me aperta as cordas vocais
agora.
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