Ninguém me telefona e toda a gente me diz "se precisares falar, conta comigo". Mas eu nunca soube conhecer as minhas necessidades. Como se sabe que se precisa falar? Preciso falar para saber isto ou aquilo, para aclarar as minhas ideias ou para comunicá-las. Mas tenho demasiadas certezas que não interessam ninguém. Também falo para desabafar. Mas como saber que se precisa desabafar sem sentir-se completamente abafado? Quem disse "vou estar aí para que não chegues a esse ponto"? E se precisar simplesmente que alguém me veja chorar? Quando falei com alguém tentaram falar-me doutras coisas. Não sou parvo, reparo nisso. Com quem falarei que não mude de tema para que tente esquecer? Mas não quero esquecer. Quero que tudo volte ao seu normal. Sinto-me só e isto é só o começo. Quem vai mudar este meu hábitat que chama a conversas de queixas por isto ou aquilo? Quando ela estava chegava e queixava-se que no trabalho tal ou qual, ou que tal amiga tal ou qual. Chegava um momento em que me aborrecia tanta queixa. Agora passaram quatro dias e cá estou eu a queixar-me. Tal ou qual, saibam vocês. Intuo as vossas caras de aborrecimento. Talvez nem cheguem a ler já esta linha. Quem melhor que eu para compreendê-lo? Porém queixar-se parece-me agora uma forma de amor que neste momento espalho pela rede. Queixar-se é uma procura de resposta ou só de orelhas. Uma procura dirigida aonde se acha que pode estar a resposta. Mas essa resposta não era eu. Quero queixar-me. Mas a quem se ela não está? E se estivesse, o que conseguiria? Pena? Tudo o que sei é que não quer fazer-me dano. Não vou usar isso. Não quero. Sou algo mais que um molho de lágrimas em potência. Ainda que possa parecer o contrário ao dar uma vista de olhos a este blogue. "Quando estás bem nunca escreves", dizia-me ela. Tinha razão. Todos os silêncios são as minhas alegrias, porque verbalizar é um risco. Poderia acontecer que, ao escrevê-las, descobrisse que são apenas parvoíces. Porém as tristezas, essas, melhor que sejam o que são e pronto.
Sinha Rosa. Quanto tempo. Tive que ler a entrada toda para lembrá-la. Vai ser verdade que tudo morre quando deixa de ser visto. E eu devo de estar meio morto, porque não saio desta casa vazia.
Não sei quem foi que disse, com tão bom critério, que as coisas que não se dizem é como se não tivessem acontecido. Lembro a frase e venho à janela do meu blogue mais uma vez para gritar ao mundo as minhas últimas verdades. Bàrbara deixou-me. Disse bem: deixou-me. Ainda que fosse eu a dizer que queria acabar a relação, foi ela que disse, no domingo à noite, recém chegado eu da Galiza, que precisava tempo para pensar nisso que, passados três dias do choque inicial, sei que não precisa pensar, apenas virar consciente. A decisão está tomada. Já estava antes de eu chegar da Galiza. A dúvida, neste caso, é uma verdade intuída que choca com todas as evidências: não me ama. Mas a esperança, essa mãe de todos o demos, impede-me virar consciente eu próprio dessa mesma verdade. Surpreendo-me a mim próprio pensando que volta. O meu piso está cheio de toda a sua roupa, os presentes que eu próprio lhe fiz, o seu lixo, a sua desarrumação. Foi-se para pensar, mas parece-me que fosse visitar os pais. E quando agora mesmo entrou pela porta para jantar (a precariedade de quem foge por surpresa) parecia-me impossível não darmo-nos um beijo nos beiços, não abraçá-la quando me dizia que lhe dói tudo por ter dormido num sofá, não oferecer-lhe uma massagem nessas circunstâncias, não ter o contacto físico de costume. E porém não fiz nada disso. Quem foi quem lhe deu um beijo na cara apenas na chegada e na despedida? Custa acreditar que fosse eu. Claro que a sua forma de agir não convidava a fazer mais do que isso. E quer pensar? Pensar o caralho. Desfazer-se da deriva de pensamento e acção. Isso é tudo. A mesma deriva que a levou, hoje à tarde, quando me viu na escola, a dar-me um beijo nos beiços (com o milissegundo conseguinte de surpresa na sua própria cara), a apanhar o telefone na casa, sem pensar que o telefonema era para mim, e achando os meus pais do outro lado do fio. Porque nenhum dos dois sabíamos que fazer. Estávamos a criar um hábito inexistente. Quanto à forma de agir (e só nisso) éramos como o homem e a mulher que querem começar a namorar. Os mesmo nervos, o mesmo mover-se de cá para lá, evitando o contacto visual. Ou fui eu só que fez isso? Seguramente fosse eu só. E se calhar é isso que me toca agora. Namorar ao contrário. E se consigo fazê-lo e normalizar uma amizade que agora tudo me indica que é contra o sentido comum, que me impedirá, depois, deixar de fumar? A minha frialdade supreende-me a mim próprio ao escrever essas palavras. Mas é que escrevo como se ela estivesse na sala a ver televisão, estudar ou lá o que for, em lugar de ter atravessado, há quarenta minutos, a porta para a rua.
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