Este espaço
no mundo
é uma cantiga.
Esta cantiga
cresce no ritmo
das raízes.
Estas raízes
imitam formas
do coração.
Nada lhes peças.
Nada lhes dês.
Nada ofereças.
Tu
que és o espaço
a cantiga
as raízes
o coração
recolhe dignamente o que te deram,
e reverencia em ti a sua herança.
Agradece o que és porque te amas,
mas não te ames com os modos,
a intensidade dum adolescente apaixonado.
Antes abraça-te no teu abraço
com firmeza e rigor,
mas com cuidado,
como a amassar os músculos dum corpo velho.
Tu és os fios da memória antiga
a tecer-se nas mãos que se entrelaçam.
Não te enganes a pensar que é uma bandeira.
Que o coração
bombeie sangue
das raízes.
Que as raízes
marquem o ritmo
das cantigas.
Que essas cantigas
criem o espaço
do teu mundo.
o teu nome enche a boca
de mar
e o estômago de vida
a teu redor multiplicavam-se
alimentos
e bocas
no teu corpo minguante
a carne
transformou-se em anos
nas tuas mãos a lã floria
mas o teu recordo é tão pequeno
como esse espaço breve que ocupaste
cozinha
quarto
sala
embora o teu nome ainda consiga
ser livre na memória
no mar da minha infância
não consigo lembrar-te
nem sequer à janela
do teu abster-te de comer
espaço
quantos comemos
mundo
tantas vezes a ironia
de mãos dadas
ao sonho
e o teu nome
é uma lancha
no Chufre
És um recordo errante,
o corpo da memória das gerações passadas
feito fotografia
verso
e verso.
A sombra que me persegue desde o momento
em que juntei palavra com palavra.
Talvez a nascente
de que emana a sede de expressão
de tantos,
ou então o primeiro em conseguir dar forma
à necessidade íntima de muitos.
Nunca te conheci
mas estiveste sempre a acompanhar-me.
E ainda que nos teus versos não transpareça
uma única olhada para dentro,
estás
nos risos, esses, muitos,
que ainda que não pareça também tenho.
Quero falar de ti
e há tanta cousa pra dizer,
poeta da tribo,
jornalista,
taberneiro,
versificador social-
-ista,
Ministro de Informação e Propaganda
do Governo Revolucionário Independente
da Ilha de Arousa,
compositor mordaz,
anticlerical,
antifascista,
revolucionário.
Tu transformaste o Nicho
em taberna,
e intuo que estás ainda
a servir vinho e comentar a vida
ou a morte,
ou o jogo do Celta,
que talvez seja as duas cousas.
Deste lado do tempo só és um recordo
dum recordo doutro recordo.
E por isso este poema não é
a homenagem que mereces
e que ainda espera.
Apenas umas palavras para dizer
que foste vivo
e a tua vida
é um pouco a minha
ou nossa,
e que as tuas palavras,
ainda que muitas se perdessem,
pesam.