Numa cabana em ruinas de três quartos
envelheci e abandonaram-me as forças.
O frio deste inverno é o
pior que já tive que passar.
Beberico papas aguadas, à espera que
passe a noite gelada.
Conseguirei chegar à primavera?
Incapaz de mendigar arroz,
como vou passar a friagem?
Nem mesmo meditar ajuda mais.
Nada a fazer senão compor poemas
à memória dos amigos mortos.
Ryôkan
Encontramo-nos apenas para partir depois,
indo e vindo como nuvens brancas,
deixando rastos tão leves
que a alma mal consegue notar.
* * * * * * * * * * * *
Tenho um velho bastão
que tem servido bem a muitos.
A sua superfície está gasta pelo uso,
tudo o que resta é o seu duro núcleo.
Usei-o para provar as águas,
e muitas vezes me tirou de problemas.
Agora, no entanto, está apoiado na parede
sem uso desde há anos.
(Ryôkan)
Um dia eu serei uma caveira deitada numa almofada de erva,
a que cantam um ou dois pássaros vadios.
Reis e plebeus acabam da mesma maneira
e não duram mais do que o sonho da noite.
* * * * * * * *
Desci ao vale para apanhar orquídeas
mas o terreno estava coberto de gelo e orvalho
e passei o dia inteiro para encontrar as flores.
De súbito lembrei dum velho amigo
de que me separam milhas de rios e montanhas.
Voltarei mesmo a vê-lo?
Olho fixamente para o céu,
com as faces sulcadas por lágrimas.
(Ryôkan)