Aos quarenta invernos da tua frente,
arando no teu rosto fundas linhas,
nada será senão ervas daninhas
a rica galhardia do presente.
Se então buscarem o que foi de tanta
beleza havida nos teus dias idos,
resposta dares é de olhos fundidos
louvor inútil e vergonha quanta.
Mas se puderes responder tu “este
meu filho aqui me escusará a idade”
- sendo beleza herança que lhe deste -
louvor maior merecerá a beldade.
Novo serás, já velho, e terá brio
o sangue ardente que pensavas frio.
Dos seres belos que o desejo anela,
não morre da beleza aquela rosa,
e a herdeira guarda imagem memorosa
se vier com o tempo a morte dela.
Mas tu, ao brilho dos teus olhos dado,
para essa luz a lenha que és consomes,
onde há abundância produzindo fomes
cruel para ti, contigo inimizado.
Tu que és do mundo enfeite de beleza,
e a primavera único anuncias,
doce sovina, esbanjas avareza
e em ti mesmo sepultas alegrias.
Mostra piedade ou sê o glutão do mundo,
com a tumba, engolindo-o sem fundo.
O tempo do ano vês em mim, coitado,
do amarelo das folhas que não duram
nos galhos gélidos em que penduram,
ruinas do coro de aves silenciado.
Talvez vejas o sol daquele dia,
depois de o ocaso ido no Ocidente,
que a noite escura leva, e nos dormentes,
como outra Morte, tudo silencia.
Em mim talvez o brilho desse arder
que em cinzas jaz da sua juventude,
leito de morte em que vai falecer
da mesma força que lhe deu saúde.
Isso vês tu, que ao teu amor dá ar,
para amar o que irás abandonar.