Mergulho no rufador terreno arado, levanto-me
calcanhar a calcanhar das engolideiras da boca da terra,
da argila que me agarra cada passo ao tornozelo
com o hábito da teimosa sepultura, mas a águia
paira sem esforço no alto com o seu olho tranquilo.
As suas asas abraçam a criação inteira num silêncio leve,
tranquila como uma alucinação no ar mexido.
Enquanto o vendaval assassina esta teimosa sebe,
vira a página aos meus olhos, atira o meu alento, ataca o meu coração,
enquanto a chuva me invade a cabeça até aos ossos, a águia segura
o ponto diamantino da força de vontade que norteia
a resistência de quem mergulha no oceano: e eu,
sanguinolentamente agarrado, atordoado, a contar o último instante,
migalha na boca da terra, estico-me em direção ao fulcro
mestre de violência em que a águia se mantém imóvel.
Que talvez enfrente o clima no seu próprio tempo
vindo de má maneira, sofre o vento, virada ao contrário,
cai do seu olho, o pesado terreno vem-lhe em cima,
o horizonte é a sua prisão; o arredondado olho angelical
esmagado, mistura o sangue do seu coração com a lama do chão.
(Ted Hughes)
Acordei para um grito: 'eu sou o Alfa e o Ómega'
as rochas e umas poucas árvores tremeram
no fundo dos seus territórios.
Corri e uma ausência pulou atrás de mim.
O deus do cão são os nacos que caem da mesa.
O salvador do rato é um grão de trigo chegado no momento oportuno.
Ouvindo o Messias a chorar
a minha boca abre-se para adorá-lo.
Como os líquenes são gordos!
Amortecem-se em silêncio.
O ar não deseja nada.
O pó também está completo.
Qual foi o meu erro? A minha caveira selou-o.
Os meus grandes ossos estão amontoados em mim.
Martelam na terra, excitados pelo meu canto.
Não olho para as rochas e as pedras, tenho medo do que elas veem.
Oiço a canção a estremecer a minha boca
em que mandam os dentes enraizados no crânio.
Sou gigante na terra. Os ossos dos meus pés batem na terra
sobre o ruído dum pranto maternal...
Depois bebo tranquilo numa poça.
O horizonte dá a luz as rochas e as árvores na luz do entardecer.
Deito-me. Torno-me escuridade.
Escurdiade que canta e envolve toda a noite, batendo o chão com os pés.
O sol entra em erupção. A lua está tão morta como uma caveira.
A erva-cabeça ondula dia e noite e nunca saberá que existe.
As pedras estão como estavam. E as criaturas da terra
são simples riachos da chuva, em alagamentos ou caminhos vazios.
Os átomos dos cérebros dos santos são engolidos pela vasta borbulha do nada.
O pó é que manda em toda a parte.
Então de quem
são estes
olhos
olhos e
dança dos desejos,
das dádivas?
Sol e lua, morte e morte,
erva e pedras, os seus povos breves, e as partículas brilhantes
morte e morte e morte -
os seus espelhos.
Lá fora, através da escura arcada da terra, por baixo do antigo dintel sobrescrito por raízes,
lá fora, entre a jambas de granito, galopa o cavaleiro de ferro encapuzado.
Lá fora do ferimento, corte na terra, o cavaleiro monta, agitando as plumas limpas de poeira escura.
Lá fora do útero cor vermelho sangue, galopa encurvado o cavaleiro de ferro.
O cavaleiro cruzado de sangue, o Guerreiro Sagrado, encapuzado em ferro, anjo do gume sombrio.
Galopa pela cimeira do mundo à meia noite.
Através de fendas de ferro os seus olhos procuram o mais suave da garganta, o umbigo, a axila, a virilha.
Tragam-no limpo da rede atirada e da espiral que salta do chão.
Através de fendas de ferro, o seus olhos encontraram o capacete do inimigo, o graal,
o útero, muro do sonho que se agacha lá, mais voraz que um feto,
lactente nas raízes de sangue das origens, a droga de leite salgado da mãe.
Protejam-no da olhada submersa, voando a meia luz, que emaranha os calcanhares,
o beijo estriado que inunda os olhos de escuridade.
Tragam-no para a mesa pautada, as oitavas da orde,
a lei e a piedade do número. Levantem-no,
tirem-no da boca de polvo e dos oito braços lunáticos
do berço que balança e afunda.
A criança não nascida bate no útero que é um muro.
Vai precisar ser forte
para seguir as suas armas em direção à luz.
Ao contrário de Coriolano, segue as espadas mesmo através de Roma.
E mesmo através do sorriso
que é a fúria do juiz
que é a criança que chora
que é o presente com fitas
que é a víbora faminta
que é o beijo no sonho
que é a almofada do pesadelo
que é o selo da parecença
que é ilusão
que é ilusão
O cavaleiro de ferro, sobre o cavalo ferrado com vaginas de ferro,
galopa pelo útero que não reclama nada, que é de pedra.
As suas armas brilham por baixo das luzes do paraíso.
Segue a sua bússola, a lâmina da lança, a mira da pistola, para fora
contra o graal dentado e a boca incansável
cujo choro rompe o seu sonho
cuja poeira tem debaixo das costelas
cujo sorriso está num ventre de mulher
cuja saciedade está na tumba.
Lá fora por baixo da arcada cor vermelho sangue, galopa encurvado o cavaleiro de ferro.
(Ted Hughes)
Contra a língua de borracha das vacas e as mãos lavradoras dos homens
os cardos espicaçam o ar do verão
ou crepitam ao abrirem-se sob a pressão azul-escura.
Cada um deles um rebento vingativo
de ressurreição, um molho colhido
de armas estilhaçadas e gelo islandês atirado para cima
da sombra soterrada de um viking apodrecido.
São como o cabelo pálido ou o som gutural dos dialectos.
Cada um deles maneja uma pena de sangue.
Depois crescem a se tornar cinzentos, como os homens.
Ceifados, é uma batalha. Os seus filhos aparecem
rijos e armados, voltando para lutar no mesmo campo.
(Ted Hughes)