Alma minha, cuida-te da pompa e a glória.
E se não puderes refrear as tuas ambições,
vai, pelo menos, atrás delas hesitante, cautelosamente.
E quanto mais alto estiveres,
mais incisivo e cuidadoso tens de ser.
E quando atingires o cume, César por fim –
quando assumires o papel de alguém tão grande quanto isso –
tem mesmo cuidado quando fores à rua,
notável homem de poder com seu cortejo;
e se um tal Artemidoro
vier a ti, saindo da multidão, e te der uma carta,
e disser “Lê isto imediatamente.
É sobre ti, e é de vital importância”,
cuida de parares; cuida de deixares
toda conversa e assunto; cuida de te apartares
daqueles que te saúdam e se inclinam perante ti
(podem ser vistos depois); deixa inclusivamente
que o próprio Senado espere – e descobre aí
as informações vitais que Artemidoro te tinha escrito.
Este quarto, que bem o conheço.
Agora alugam-no, e também o do lado,
para escritórios. A casa inteira tornou-se
um prédio de escritórios para representantes, homens de negócios, empresas.
Este quarto é-me tão familiar.
O sofá estava lá, ao pé da porta,
uma carpete turca à sua frente.
Pertinho, a estante com dois vasos amarelos.
À direita - não, ao contrário - um guardafatos com espelho.
No meio a mesa em que ele escrevia,
e as três grandes cadeiras de vime.
Ao lado da janela a cama
em que fizemos amor tantas vezes.
Ainda devem estar nalgum lugar, essas coisas velhas.
Ao lado da janela a cama;
à tarde o sol costumava iluminar a metade.
...Uma tarde às quatro em ponto separámo-nos
só por uma semana... E depois –
aquela semana já foi para sempre.
À meia-noite, quando ouves de repente
uma procissão invisível a passar
com magnífica música, e vozes,
não lamentes a sorte que hoje te falta,
o trabalho que não deu certo, os teus planos
a se tornarem decepção - não te lamentes disso em vão:
como alguém corajoso, há tempo pronto para isto,
diz adeus a ela, à Alexandria que se vai.
Por cima de tudo, não te enganes a ti próprio,
não digas que foi um sonho, que os teus ouvidos te enganam:
não te degrades com esperanças vãs como essas.
Como alguém pronto há tempo, e cheio de coragem,
como corresponde a ti, a quem esta cidade foi entregue,
vai decidido à janela
e ouve com grande emoção,
mas não com as queixas, as desculpas dum covarde:
diz adeus a ela, à Alexandria que estás a perder.
(Konstantinos Kavafis)