Filhos do Tempo, hipócritas, os Dias,
parvamente cobertos, como dervixes descalços,
e marchando sozinhos numa fila infindável,
apresentam diademas junto a feixes de lenha.
Oferecem presentes consoante a vontade:
pão, reinos, estrelas, o céu que abarca tudo.
No meu jardim selvagem, olhei aquela pompa,
esqueci os meus votos matinais, prestamente
peguei em ervas e maçãs, e o Dia
virou e partiu em silêncio. Tarde demais,
eu vi, sob a solene febra, desprezo.
Se que ele mata pensa o assassino,
e o morto que foi morto é que ele crê,
não conhecem subtil este caminho
que guardo, passo e viro uma outra vez.
Perto de mim o longe e o esquecido;
o sol e a sombra são um mesmo ente;
aparecem p’ra mim deuses sumidos;
vergonha e fama não são diferentes.
Se estiver fora, estás fora de ti;
as asas sou também dos que me voam;
sou quem questiona e a questão em si,
do brâmane no hino a voz que soa.
Deuses fortes anseiam o meu lar;
as sacras Sete invejam-no por isso;
mas, buscador humilde, achar-me-ás
e as costas virarás ao paraíso.
(Ralph Waldo Emerson)
É tempo de ser velho,
de guardar a nave:
o deus dos limites,
que dá margens aos mares,
chegou a mim na sua ronda fatal
e disse: “Chega!
Acabou o tempo
dos teus largos, ambiciosos ramos, da tua raiz.
Acabou a mania: não mais mentiras.
Faz o teu firmamento
do perímetro duma tenda de campismo.
Não há tempo para isto e aquilo,
tens de escolher só uma dessas coisas.
Faz bom uso do rio que seca,
e reverencia, não menos, o Dador,
abandona o muito para abraçar o pouco.
Aceita os termos de forma sábia e oportuna,
amortece a queda com pé cuidadoso;
por um instante
continua a planificar e sorrir,
e – carente já de sementes nobres -
deixa amadurecer a tua fruta verde.
Maldiz, se quiseres, os teus senhores,
maus donos dos seus lares,
que, ao darem-te o alento,
esqueceram legar
ao mesmo tempo a energia cega indispensável,
o tutano guerreiro nos teus ossos,
e deixaram no entanto uma herança de veias decadentes,
calor inconstante e rédeas medrosas -
entres as Musas, deixaram-te surdo e mudo,
entre os gladiadores, coxo e petrificado.”
Como um pássaro que apara a árvore antes do vendaval,
aparo-me a mim próprio perante a tormenta do tempo,
endereço o leme, encurto o percurso,
obedeço a voz na véspera obedecida na primeira hora:
“Silenciosamente confiante, bane o medo,
avança para a frente desarmado.
O porto, que merece a travessia, está perto,
e cada onda é propícia.”
(Ralph Waldo Emerson)