Avaro amor, porque é que vais reter
em ti somente a herança de beleza?
Empresta, nada dá, a natureza,
livremente mas só a quem livre der.
Sovina da beleza, porque abusas
daquilo que foi dado para dares?
Usurário sem ganho, porque usares,
sem poderes viver, somas profusas?
Por seres de ti próprio traficante,
tu próprio burlas o teu doce eu.
Quando a vida pedir o que te deu,
de ti que vai ficar como montante?
Contigo essa beleza será ida
que herança fosse se lhe desses vida.
Olha no espelho a tua face e diz
“é tempo de uma nova já criares
fresca", se deceção não desejares
roubando ao mundo o que uma mãe bendiz.
Quem, de ventre virgem, é a arrogante
que desdenhe a semente que tu enterras?
Quem de vaidade tal cavada em terra
qual tumba, a prole pára desdenhante?
Espelhas tua mãe na tua arte,
que vê no teu reflexo o abril amado.
Assim poderás tu depois mirar-te
com rugas, sim, mas no esplendor passado.
Se essa glória ver queres no jazigo
morre solteiro e morrerá contigo.
Aos quarenta invernos da tua frente,
arando no teu rosto fundas linhas,
nada será senão ervas daninhas
a rica galhardia do presente.
Se então buscarem o que foi de tanta
beleza havida nos teus dias idos,
resposta dares é de olhos fundidos
louvor inútil e vergonha quanta.
Mas se puderes responder tu “este
meu filho aqui me escusará a idade”
- sendo beleza herança que lhe deste -
louvor maior merecerá a beldade.
Novo serás, já velho, e terá brio
o sangue ardente que pensavas frio.