Um dia o emigrado volta à terra e descobre assombrado que tudo continuou sem ele. É uma constatação um tanto absurda, como sacar a mão pela janela para sentir o contacto da chuva que se vê cair. Mas neste caso o contacto húmido da gota contra a palma faz acordar a vontade de ser um próprio água, virar chuva, voltar a ser parte do meio. Uma simples questão de perspectiva, porque o lugar sempre será o lugar, apesar do nosso sentido de pertença, e apesar de não podermos imaginá-lo sem nós, pela simples razão de que nunca o vimos assim. O observador que condiciona o objecto observado. O velho enigma da árvore que cai no meio do nada, sem que ninguém o veja ou ouça, mas cai, claro que cai. E nós que a vimos crescer, que talvez a regamos e adubamos, que pusemos nela a esperança de um dia ter a sua sombra, perguntamo-nos então como pôde ter caído sem nós. Sabemos mas perguntamo-nos só quando o vemos. Como sendo informados sobre a morte de alguém, sabemos -claro que sabemos -, mas a sombra da morte só nos cai em cima quando vemos o seu corpo inânime de olhos fechados. O retorno do emigrante é isso. Só que é a nossa própria vida a que jaze no caixão e são os nossos olhos os que estiveram fechados. É difícil ficar indiferente, muito mais fácil negar a realidade, culpar a terra. Num país de emigrados e retornados como o nosso devíamos sabê-lo. Seguramente saibamos. E porém, eis-me mais uma vez perante a evidência, surpreendido em flagrante. Pampo.