Há dias que um não fecha o olho, e quando digo um quero dizer eu. Dou voltas e voltas na cama, no intervalo do sonho e da vigília, procurando um corpo nu que não está ao meu lado, apenas a lembrança. Às vezes o travesseiro serve mais ou menos para enganar o cérebro. Às vezes simplesmente não dá para enganar ninguém, e dou voltas e voltas com o corpo, na cabeça, no sexo que está dentro da cabeça e fora do corpo. São três ou quatro da manhã, envio uma mensagem do telemóvel, aconchego a orelha de novo ao travesseiro, enganando-me a pensar que espero o sonho, já que não o sono. E enquanto dou voltas e voltas com tudo o que posso considerar irrenunciavelmente meu, sei que espero uma resposta que não chega por razões evidentes. São cinco da manhã. Noite perdida, nem dá para dormir, última esperança de comunhão. Amo e sei que amo e sou amado. Conservo ao menos isso na con(s)ciência.
Paráfrase das ensinanças zen. A ponta de um alfinente ou o grossor de um pêlo podem ser distâncias mais grandes que o Canhão do Colorado ou a distância daqui ao Canhão do Colorado. Para além da distância existe o movimento ou a intenção do movimento. E o desejo integrado no corpo da distância talvez não responda às leis da dinâmica, mas predispõe a mover-se mais que uma fita de borracha esticada na mão de uma criança. Aeronauta Eugénio. Viagem astral em terras de Madrid. Fim-de-semana.
Tenho colchão novo. Não consegui dormir. Estou mesmo cansado, perdendo tempo até às 16:00, que começo as aulas. Lá estarei até as 21:00 e depois numa reuinião da DIGUEM NO: (Plataforma pel no a la constitució europea). Não me apatece mesmo nada ir à tal reunião, mas não tenho mais remédio: o nome pus-lho eu na anterior assembleia (a primeira), e há pessoal que espera que lá esteja. Depois de tudo, também estou contra essa constituição, e a plataforma pode servir-me para fazer amigos do meu pau, ou isso espero.
Tenho saudades de Bàrbara. O seu corpo miúdo entre os meus braços. Há coisa de um ano a ideia de viver só fazia-me uma certa graça. Agora não. É tudo silêncio no meu apartamento: menos o ruídos dos carros a passar mesmo pela janela. É tudo vácuo em cada um dos quartos, menos um magote de objectos que nada ou pouco me dizem. É tudo nada, menos aquilo que de quando em quando aparece perante mim para recordar-me que é mesmo nada. Se não fosse Bàrbara.
Ponho o CD dos Lax'N'Busto que ela me deu em Lisboa para gravar. É bom. É muito bom. Ironias ou não, simples curiosidade que agora lembro: há uma canção linda que se chama "Dolça és la sal", e cujo estribilho diz "Sara, tu ets el que m?envolta". Sara. Lembro-a. Pouco. De quando em quando. E sempre que ouvi esta canção com Bárbara, deu-me um sei-lá-o-quê de medo, porque eu cantava a tornada e perguntava-me que pensaria ela (Bàrbara) de que cantasse com esse entusiasmo. Na verdade, sempre o fiz porque a canção é dela, de Bàrbara, mas creio ter descoberto também esse arrepio de incomodidade de um segundo em sua cara.
Não sei se é pouco maduro querer apagar tudo o imediatamente anterior à relação. Há algo disto na nossa. Não muito, apenas pequenos tremores de pele quando alguém fala de tal ou qual pessoa, se vier ao caso. Às vezes um pouco mais. Como no verão. Cheguei a Compostela e mesmo ao sair do carro achei Sara. Tomámos um café e mais nada. Contei-lho a Bàrbara e pôs-se mesmo nervosa. Não disse nada, mas a sua voz tremia do outro lado do telefone. Levávamos apenas dois meses, e ela conhecia bem a minha relação anterior. É normal. Depois contou-me. É normal. Tudo passou. Eu também tenho essas reacções. De quando em quando fala de ?el gallec?, o seu anterior namorado (também era galego, coisa engraçada), e não gosto, resulta-me incómodo. Ultimamente até tenho mais medo ainda. Está em Lisboa. Está longe. Vai conhecer pessoas, quem sabe se melhores para ela do que eu. Tenho medo de quando em quando. É normal. Passará.
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