Um vento do leste trouxe a chuva necessária
que chorrou toda noite pelo telhado de colmo;
entretanto, a ermida dormitava aprazivelmente
imperturbada pela flutuante agitação do mundo.
Ao amanhecer, as montanhas verdes tomam banho
e os passarinhos da primavera cantam nas suas ramas.
Com pouca determinação, atravesso a porta -
riachos improvisados correm para vilas distantes,
maravilhosas flores decoram as ladeiras.
Descubro um lavrador a dirigir um boi
e um rapaz a levar uma enxada.
Os humanos têm de trabalhar em todas as estações, da noite ao dia.
Eu sou o único que não tem nada a fazer
aferrado com força à minha terra natal.
(Ryôkan)
A misturar-se com o vento
a neve cai;
a misturar-se com a neve
o vento sopra.
Junto à lareira
estico as pernas
deixando passar o tempo
confinado nesta cabana.
A contar os dias
reparo que também fevereiro
chegou e foi-se
como um sonho.
(Ryôkan)
Em silêncio, pelas cimeiras solitárias,
contemplo lá fora, com tristeza, o granizo que cai.
O grito dum macaco ecoa pelas colinas escuras,
um riacho frio murmura lá em baixo,
e a luz na janela parece solidamente gelada.
A minha pedra para a tinta também está fria como o gelo.
Hoje não vou dormir, escreverei poemas
aquecendo o pincel com o meu alento.
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Uma noite de novembro amargamente fria,
a neve caiu densa e rápida -
primeiro como grãos gordos de sal,
depois como suaves flores de salgueiro.
Os flocos assentaram-se silenciosos sobre o bambu
e empilharam-se agradavelmente nos galhos dos pinos.
Em lugar de me voltar para os velhos textos, a escuridão
faz com que prefira compor os meus próprios versos.
(Ryôkan)